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quarta-feira, 12 de novembro de 2008

CONCERTO CAMPESTRE, de Luís Antônio de Assis Brasil

A história de Concerto Campestre, de Luís Antônio de Assis Brasil acontece numa fazenda do interior gaúcho, em meados do século XIX. O fazendeiro e charqueador é o Major Antônio Eleutério de Fontes, pai de dois filhos e uma menina, Clara Vitória. Ele é visto pelos vizinhos como um homem extravagante, pois mantém em sua propriedade rural uma pequena orquestra, fruto de sua paixão pela música, despertada pelos instrumentos de dois índios que passaram por suas terras. Rico, em função do contrabando de gado, o major contrata um regente mineiro – o Maestro – por indicação do vigário de São Vicente, que queria livrar o maestro de problemas amorosos. Com o nome de Lira Santa Cecília, para indignação da esposa, Dona Brígida, a orquestra vai ficando famosa, e além dos concertos na fazenda, também passa a se apresentar em Rio Pardo. Isso faz com que o major aumente o salário dos músicos e compre uniformes novos. Mas essas amenidades darão lugar a uma história proibida de amor. Clara Vitória, noiva e de casamento marcado com Silvestre Pimentel, herdeiro de um fazendeiro vizinho, apaixona-se pelo Maestro, passando as noites no alojamento dele e só voltando para seu quarto ao amanhecer. Rossini, um velho músico e o segundo elemento em importância da orquestra, fica sabendo do e, amante de óperas, prevê um final operístico para a história. Logo depois, Clara se descobre grávida e depois de conseguir esconder esse fato por algum tempo, acaba passando mal numa audição da orquestra. Pressionada pelo vigário, que desconfia de algo, ela confessa a gravidez. Imaginando que o responsável é o noivo, o chama para antecipar o casamento. O noivo topa, mas o major não. Vai à casa de Silvestre e atira, pensando que matou o sujeito, que na verdade apenas ficara ferido. D. Brígida dá uma surra em Clara e é contida pelas criadas. O major resolve expulsar Clara de casa, obrigando-a a viver no boqueirão – uma tapera em um local ermo, com poderes místicos e de difícil acesso, onde ninguém costuma pisar. Proíbe qualquer pessoa, com exceção do capataz, de aproximar-se do local e não permite mais a citação do nome de Clara na residência. Tudo se transforma na fazenda. O major desativa a orquestra e o Maestro, sem poder ver Clara, vai com Rossini para Porto Alegre. O velho músico faz outra previsão: 'Ainda não ocorreu o último ato desta ópera. E eu não quero perder'. Enquanto D. Brígida não sabia o que fazer da vida, o major definhava, já perdendo a razão. E Clara solitária e exilada na tapera abandonada é ajudada por uma criada a ter seu bebê, uma menina. Tentando sobreviver em Porto Alegre, angustiado pela separação de Clara, o Maestro, num momento mágico, redescobre a partitura de uma música que fizera para Clara e a toca na missa. Horrorizado, o bispo o despede. Junto com Rossini e outros músicos volta para a fazenda do Major, que se reanima com a ressurreição da orquestra. Mas já perturbado, briga com a mulher que o abandona e vendo seu mundo desmoronar, suicida-se na presença do vigário. O Maestro foi até o boqueirão e o final é feliz: Rossini aplaude, como se estivesse na platéia de uma ópera. Ela foi até a margem, tirou a roupa e lavou-se. Estava assim, meio submersa, refrescando-se na delícia da tarde, quando sentiu que alguém vinha em sua direção, atravessando as águas. E logo soube quem era, sempre saberia dali por diante, pelos anos afora: não precisou cobrir-se, nem correr de vergonha, apenas abriu os braços e entregou-se ao primeiro beijo de todos os beijos de sua longa vida.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

QUATRO CONTOS DE PRIMEIRAS ESTÓRIAS - G.ROSA

GUIMARÃES ROSA E AS PRIMEIRAS ESTÓRIAS – Lembre que o foco narrativo de Primeiras Estórias apresenta dez contos em terceira pessoa: As margens da alegria, Famigerado, Sorôco, sua mãe, sua filha, A menina de lá, Os irmãos Dagobé, Nenhum,nenhuma, Seqüência, Um moço muito branco, Substância e Os cismos. Os outros onze são em primeira pessoa: A terceira margem do rio, Pirlimpsiquice, Fatalidade, O espelho, Nada e a nossa condição, O cavalo que bebia cerveja, Luas de mel, Partida do audaz navegante, A benfazeja, Darandina e Tarantão, meu patrão. No entanto, em apenas duas dessas histórias – Perlimpsiquice e O Espelho – esse narrador em primeira pessoa é o protagonista. Nas outras nove, ele é um espectador privilegiado dos fatos ou ligado por laços de amizade ou parentesco com o protagonista. Observe, na seqüência, a síntese de quatro dessas vinte e uma histórias:

Fatalidade - Zé Centeralfe procura o delegado de uma cidadezinha, queixando-se de que Herculinão Socó vivia cantando sua esposa. A situação tornara-se tão insuportável que o casal mudara de arraial. Não adiantou: o Herculinão foi atrás.
O delegado, misto de filósofo, justiceiro e poeta, depois de ouvir pacientemente a queixa, procura o conquistador e, sem a mínima hesitação, mata-o, justificando o fato como necessário, em nome da paz e do bem-estar do universo.

Tarantão, meu patrão - O fazendeiro João - de - Barros - Dinis - Robertes tem uma surpreendente explosão de vitalidade em sua velhice caduca. Como se fora um Quixote, determina-se a matar seu médico: o Magrinho, seu sobrinho - neto. Ao longo da viagem rumo à cidade, recruta um bando de desocupados, ciganos e jagunços, que acatam sua liderança, pelo carisma natural do velho. Chegando à "frente de batalha", Tarantão percebe que era dia de festa: uma das filhas de Magrinho fazia aniversário. O susto inicial, provocado pela invasão do "exército", transforma-se em alívio quando o velho discursa, dizendo de seu apreço pela família e pelos novos amigos, colecionados ao longo da última cavalgada.

A benfazeja - Mula- Marmela era mulher de Mumbungo , sujeito perverso que se excitava com o sangue de suas vítimas. Esse vampiro tinha um filho, Retrupé , cujo prazer só diferia do do pai quanto à faixa etária das vítimas: preferia as mais frescas.
Apesar de amar seu homem e ser correspondida, Mula-Marmela não hesitara em matá-lo e depois cegar Retrupé, de quem se torna guia. Passado algum tempo, resolve assassiná-lo: percebe que esta seria a única maneira de refrear o instinto de lobisomem do rapaz.

Nenhum, nenhuma - Uma criança, não se sabe se em sonho ou realidade, passa férias numa fazenda, em companhia de um casal de noivos, de um homem triste e de uma velha velhíssima, de quem a noiva cuidava. O casal interrompe o noivado, e o menino, que conhecera o Amor observando-os, volta para a casa paterna. Lá chegando, explode sua fúria diante dos pais ao notar que eles se suportavam, pois tinham transformado seu casamento num desastre confortável.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O MOVIMENTO ANTROPÓFAGO

Em 1928, Oswald de Andrade e a artista plástica Tarsila do Amaral, depois de lançarem em 1925 o Manifesto da Poesia Pau-Brasil, aprofundam suas idéias modernistas com outro Manifesto - O Antropófago – que propõe "devorar" influências estrangeiras para impor o caráter brasileiro à arte e à literatura. Essa ampliação do primeiro movimento de 1925 ocorre no reconhecimento do caráter indígena de nossas raízes“Tupy or not tupy that is the question" – e no uso do humor como forma crítica e caracterizadora da identidade, do caráter do brasileiro – “ A alegria é a prova dos nove". Propunham, como se percebe pelas idéias apresentadas, uma transformação da estrutura patriarcal em matriarcal, o anarquismo sem repressões: "Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud - a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama." - A postura antropofágica como alternativa entre o nacionalismo conservador, anti-europeu e a pura cópia dos valores ocidentais: "Nunca fomos catequizados.(...) Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará." Ainda que idealizador do movimento, Oswald não produz obra poética dentro desse espírito antropofágico, e cabe a Mário de Andrade, com o romance Macunaíma, levar para a Literatura a postura anárquica do “Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz e contra todos os importadores de consciência enlatada.

Observe que a idéia de atacar a importação da cultura, desde os primórdios de nossa colonização pelo europeu, vai citando criticamente nomes significativos desse processo como o padre Antônio Vieira e o romancista José de Alencar: “... Contra o Padre Vieira. Autor do nosso primeiro empréstimo, para ganhar comissão. O rei-analfabeto dissera-lhe : ponha isso no papel mas sem muita lábia. Fez-se o empréstimo. Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe a lábia – “...Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses.
Porém, só as puras elites conseguiram realizar a antropofagia carnal, que traz em si o mais alto sentido da vida e evita todos os males identificados por Freud, males catequistas. O que se dá não é uma sublimação do instinto sexual. É a escala termométrica do instinto antropofágico. De carnal, ele se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor. Especulativo, a ciência. Desvia-se e transfere-se. Chegamos ao aviltamento. A baixa antropofagia aglomerada nos pecados de catecismo – a inveja, a usura, a calúnia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que estamos agindo. A nossa independência ainda não foi proclamada.
OSWALD DE ANDRADE Em Piratininga Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha." (Revista de Antropofagia, Ano 1, No. 1, maio de 1928.)

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

MILTON HATOUM


RELATO DE UM CERTO ORIENTE é a história da volta de uma mulher, após longos anos de ausência, à cidade de sua infância, Manaus, num diálogo com o irmão distante. O romance é aqui uma arquitetura imaginária: a arte de reconstruir, no lugar das lembranças
e vãos do esquecimento, a casa que se foi e um mundo exótico e enigmático em sua estranha poesia, mas capaz de se impor ao leitor

com alto poder de convicção.
A narração remonta ao passado por lances retrospectivos, pela voz da narradora em que se encaixam outras vozes num coral coeso, lembrando a tradição oral dos narradores orientais. Temos assim, personagens fugazes, mas fortes, como Emir,jovem que transita para a morte, levando nas mãos a
misteriosa flor em que se cifra seu destino; o fotógrafo alemão Dorner, que capta o final simbólico do suicida; o leitor calado e solitário da Parisiense, velho comerciante árabe, capaz de contar histórias parecidas às das Mil e uma noites; e, sem dúvida, Emilie, matriarca e matriz de toda a vida da casa, que traz aninhado no colo a origem e fim do enredo do romance. Ela é mãe de Samara Délia, jovem que tem uma filha, fruto de uma relação clandestina – Soraya Ângela – o que a torna preterida e discriminada, principalmente por dois de seus irmãos, que não aceitam "a leviandade" da jovem. Temos assim o relato de uma volta à casa já desfeita, reconstruída pelo olhar penetrante de um observador que recompõe a história de uma busca impossível.
FIQUE ANTENTO

Relato : polifonia composta pela narrativa (carta ao irmão distante), pelas lembranças e anotações dos amigos de infância;

- Certo: espaço flutuante e vago onde velhas tradições religiosas e culturais vieram se misturar às margens da terra;

- Oriente: espaço diversificado, que abrange São Paulo, Europa e Manaus

     Rumo, direção, objetivo existencial

A narradora não tem nome – SEM IDENTIDADE – devido a perda da mãe biológica – lacuna materna- o que e leva a essa tentativa de reconstrução do passado, após ter passado um tempo numa clinica de recuperação para distúrbios mentais.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

OS TAMBORES SILENCIOSOS - Josué Guimarães

Josué Guimarães constrói a imaginária Lagoa Branca, uma pequena cidade situada entre Passo Fundo e Cruz Alta. Misturando narrativa de costumes e sátira política, o autor situa a ação do romance na conflituosa década de 1930.

A história transcorre de 1º a 7 de setembro de 1936 – Semana da Pátria – época que antecede a implantação do Estado Novo por Getúlio Vargas. O prefeito, Coronel Jardim, é um ditador empenhado em tornar seu povo "feliz". Por isso, proíbe a distribuição de jornais e a posse de aparelhos de rádio, além de censurar a correspondência dos cidadãos, pois não se poderia ter paz diante de tantas desgraças e miséria que afligiam o mundo. Assim, a cidade de Lagoa Branca fica fechada para o resto do mundo, no intuito demagógico e populista de um microditador que imaginava instituir a sua comunidade ideal. As restrições do coronel, nas mãos de seu aparato policial, comandado por um sórdido capitão, logo servem para que se inicie uma dissimulada escala de violência, que vai do espancamento de jovens estudantes e da apreensão de livros subversivos ao extermínio em massa dos mendigos da cidade. Além do narrador em terceira pessoa, o leitor vai acompanhar através de um par de binóculos, o olhar de sete curiosas solteironas, penetrando em todos os recantos do lugarejo. Com humor e cinismo, qualidades próprias para compor a caricatura de um sistema autoritário, Josué Guimarães aniquila essa microditadura e constrói uma obra que, ao contrário das tradicionais epopéias gaúchas, não apresenta nenhum gesto heróico, pois as personagens presentes são políticos medíocres, dominados pela ambição, mulheres infiéis e policiais violentos.

NA PRÓXIMA SEMANA, os elementos da estrutura narrativa de Os tambores Silenciosos (personagens, narrador...)